Thomás estava sentado no meio fio da calçada. Atrás dele, apenas a porta semi-aberta de sua casa. Sentava com os cotovelos apoiados nos joelhos, meio cabisbaixo. Levara uma bronca da mãe e não suportava os olhares curiosos dos transeuntes. Mas, ainda sim, preferia ser alvo das pupilas daqueles desconhecidos, do que encarar a família na sala de estar. Derrubara um vaso ainda cedo e embora ter assumido a culpa tenha sido um atenuante o ato fora uma falta grave. A mãe gritara, e o pai reforçava com acenos de cabeça, como Thomás era um menino desastrado! Mas o que ele podia fazer? Não se sentia bem naquela casa e sim, derrubara o vaso de propósito. Jogara o maldito no chão, sem dó, sem piedade, sem ao menos um tanto de angústia, pois afinal o vaso era caro. Jogara com a vontade de um leão faminto, com a ânsia de um ser apaixonado. O motivo? Ele não sabia ao certo. Porém, tinha um palpite: era algo relacionado com a casa. Ah, aquela casa. Na esquina da rua ladrilhada. Uma casa bonita, porém opaca. Enfeitada, repleta de móveis, bem decorada. Ele não pertencia aquele local. De jeito nenhum. Thomás, aos seus 6 anos de idade, acreditava piamente que vinha de outro planeta. Um bem distante da Terra. Não conseguia entender as palavras dos adultos, as brigas mesquinhas, o papel sem valor que eles usavam para adquirir comida, roupas espalhafatosas que ninguém gostava, mas mesma assim usava porque estava toda hora naquela caixa chamada televisão. Não entendia o sistema bancário, a bolsa de valores, os discursos políticos, os assassinatos. Não entendia como podia gostar tanto de chocolate e desprezar o mundo que o criou. Sim, Thomás era um tanto esnobe. Desprezava as pessoas, as crianças e os cachorros. Não conseguia pertencer ao mundo. As árvores não pareciam reais, as ruas, as esquinas, os risos, era tudo muito superficial. Tinha que existir um outro mundo. Em sua cabeça, aquela voz de sempre dizia "quero ir para casa". Era sua própria voz que pedia, angustiada, por favor, Thomás, volte para casa! E não era aquela casa que estava às suas costas, pois aquela voz lhe clamava até mesmo quando ele estava em seu quarto brincando com um carrinho. E aquele vaso branco! Que sempre ria quando o menino passava serelepe. Ria e dizia "Thomás, você é um intruso". Ele não escolhera aquele vaso. Aquela casa não era a dele. A única solução que achou foi quebrá-lo aos pedaços, silencia-lo de uma vez, para nunca mais ser chamado de estrangeiro em seu próprio território. E soluçava sentado no meio fio, porque na verdade sentira falta. Aquele vaso era seu único amigo. E agora que tinha sido varrido para longe, tudo que lhe restara era a voz "Quero ir para casa, quero ir para casa, quero ir para casa". Aquela voz, Tristeza, a melhor amiga dos garotos solitários.
Não se preocupe, Thomás, um dia você volta para casa. Enquanto isso, aguente. Sua mãe comprará um novo vaso e talvez você o quebre novamente.