segunda-feira, 27 de junho de 2022

Montanhas e paisagens

 

_ Às vezes, eu sinto como se estivesse subindo uma montanha em uma trilha árdua – ela disse – e então me sinto tão exausta que tenho dificuldade para respirar.

_ Mas, ao menos, tenho certeza de que há paisagens bonitas no caminho. – ele respondeu.

_ Eu não sei. Estou tão cansada que deixo de notar.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Kein Sinn

Die Party war leer.
So wie das Leben.
Kein Grund.
Kein Sinn.
Warum? 
Geboren werden.
Studieren.
Aufwachsen.
Arbeiten.
Geld verdienen.
Sterben.
Sie sind nur Verben. 
Leben.
Das ist auch ein Name.
Aber wem gehört es?
Das ist nicht meins.

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Um sentimento raro / O "depois" não existe

Dylan saiu angustiado da sua apresentação no trabalho. Estava participando do mais importante processo seletivo da sua vida; aquele era o cargo de seus sonhos. Não parecia, mas já trabalhava naquela empresa há dez anos. Sempre lhe assombrou a relatividade da noção de tempo. Dez anos podem ser muito ou pouco, depende da perspectiva. E do estado de espírito. Para ele, o total passou rápido como uma queda livre, mas alguns instantes específicos foram mortalmente lentos. Aquele dia, por exemplo, parecera-lhe interminável. Vinha se preparando para aquele processo seletivo há anos, "desde que entrou na empresa, na verdade", como dizia. Todavia, no momento mais importante, uma sucessão de eventos transformou o que deveria ser a sua maior conquista em um verdadeiro fiasco. Ele imprimiu o documento errado, o projetor não funcionou, sua voz falhou diversas vezes. “Imprevistos”, alguns colegas lhe disseram tentando consolá-lo. Porém, no fundo, ele sabia que, apesar de o acaso comandar alguns aspectos de seu destino, ele tinha que se preparar melhor para as contingências. Ele podia ter verificado o documento, ter levado um cabo extra para o projetor, não ter ingerido álcool na noite anterior, enfim, uma série de ações que, se não remediassem todos os problemas, com certeza, teriam mitigado seus efeitos. Ele se culpava amargamente. Uma auto sabotagem inconsciente? Ele não sabia se tinha perdido o desejo pelo trabalho ou pela vida em si. Tinha vontade de gritar, chorar, correr, fugir dali. Ele precisava extravasar. 

Pensou em telefonar para seus pais ou para alguns de seus melhores amigos, mas sabia que de nada adiantaria. Sua mãe provavelmente lhe diria que os eventos aconteceram da melhor forma possível, porque Deus assim o quis, e seu pai o culparia e diria que ele não se preparou de forma adequada. Ou ambos diriam que a razão do fracasso fora a sua negatividade. “Você precisa de pensamentos positivos, Dylan”, diria sua mãe. E ela listaria todos os insucessos de sua própria vida ou as misérias da sociedade, como se a situação negativa de alguém servisse de consolo para o mal-estar de outros. O eterno "você não vai comer o feijão? Com tantas pessoas passando fome no mundo..." Comer ou não o feijão não iria acabar com a fome mundial, porém. Dylan tinha, ao menos, empatia pelo próximo e essas comparações sempre o deixavam mais triste. E aquela obrigação de ser feliz o oprimia. Positividade tóxica ou ignorância? Seus pais tinham boas intenções, é claro, mas o método era falho e os fins não justificam os meios. 

Ele sabia exatamente com quem queria conversar, mas ela não estava disponível. Ela, que lhe consolaria tão bem com poucas palavras ou apenas um abraço. Ela, que sempre lhe escutara, por doze anos. Que estivera tão presente em sua vida. Agora estava ocupada demais na morte - quem sabe no céu, no limbo ou no inferno. Nem ele sabia mais.  Ele não sabia se conseguiria acreditar em qualquer existência divina depois que Estela falecera de sabe-se-lá-o-que-talvez-suícidio-provavelmente-overdose-de-remédios-controlados-que-não-foram-controlados-suficientemente. Se Estela estivesse viva, o que ela diria? Possivelmente deixaria que Dylan falasse mal de todos os membros da empresa, reclamasse das injustiças do sistema capitalista e fizesse reflexões sobre o que Schopenhauer escreveu em relação ao sofrimento humano. E então ela faria suas próprias observações filosóficas como uma boa cientista social. Repetiria alguma mensagem motivacional de boteco sem qualquer compromisso com essa positividade tóxica de Instagram. Reclamaria também do fardo da existência humana dando vazão aos anseios dele. Faria alguma piada sem graça que, mesmo na ausência de graça, faria com que Dylan sorrisse. E, por fim, diria que eles dariam um jeito, porque, afinal, eles sempre contornariam e ultrapassariam todos os obstáculos. Juntos.

Lembrou-se de um dia no qual fizera uma prova de proficiência de francês e achara que tinha sido reprovado. Ele correu para a escola onde Estela dava aulas e bastou que ela atravessasse o portão para que tudo no universo voltasse ao seu devido lugar. Ele falou que achava que fora reprovado e ela apenas o abraçou do jeito que fazia desde a adolescência. Foi o bastante. E, quando ele descobriu que fora aprovado, Estela foi a primeira pessoa para quem contou a boa notícia. Como sentia falta dela! Talvez mais do que dela em si, ele sentia falta do sentimento que ela lhe despertou por doze longos anos de relação, divididos entre idas e vindas, brigas, amizade, noivado, casamento, divórcio e reconciliação. Aquele foi o sentimento mais puro que ele já sentira. Dylan e Estela se apaixonaram na época do colégio – quando ela não era nada, ele menos ainda. Ele ainda não era o engenheiro bem-sucedido, com mestrado e múltiplas especializações, ocupante de cargos altos na empresa e excelente atleta. Ela estava longe de ser a professora, estudante de doutorado, escritora, poliglota e ativista política que viria a se tornar na fase adulta. Não foi por uma lista de qualidades que eles se apaixonaram. Dylan achava que as pessoas o admiravam pelos motivos errados: sucesso profissional, aquela (pseudo)intelectualidade que as pessoas chamam de cultura, medalhas nas competições de remo. Aquilo realmente importava, no fim? Generosidade, honestidade, companheirismo e autenticidade não seriam características mais relevantes? A sociedade estava louca.

Tanto Dylan quanto Estela foram admirados por diferentes pessoas. Mas naquele momento do colégio? Não existiam diplomas de pós-graduação, medalhas, notas boas, emprego dos sonhos. Existiam apenas os dois e suas essências. Suas vulnerabilidades mais puras. Se essa não é a forma mais fundamental de amor, ele não sabia o que mais poderia ser. Frequentemente, Dylan se incomodava com a distorção que as pessoas pareciam fazer em relação a esse sentimento. Algumas vinculam o amor a uma série de características. Como se houvesse pré-requisitos a preencher para ter o direito de ser amado: ter beleza, ter dinheiro, ter uma profissão, ter talento, etc, etc, etc. Um conjunto de posses:  ter, ter, ter. As pessoas confundem amor com admiração. Dylan sabia que o amor era justamente o contrário daquilo. É um sentimento espontâneo, sem uma razão explícita, mas, por outro lado, uma série pequenos motivos, detalhes estúpidos e pouco razoáveis. "Não existem variáveis independentes que expliquem o amor", dizia a versão cientista social de Estela. A primeira coisa que ele notou nela, na escola, foi seu sorriso triste. A menina do sorriso triste. Mal sabia ele que aquela tristeza a consumiria a ponto de anular sua existência. Não foi a inteligência ou a beleza de Estela que o atraiu. Não foi por isso que ele a amou com todas as forças. Ele se encantara pela sua generosidade, expressa na forma com a qual ela abraçava as pessoas. Ele se apaixonara pelo seu sorriso, que iluminava tudo o que estava em volta, embora escondesse a escuridão de sua alma. Ele gostava até das piadas sem sentido que ela fazia. Ele admirava suas qualidades, obviamente, mas mais importante, ele aceitava e respeitava suas vulnerabilidades. Ele a via e a aceitava exatamente do jeito que ela era sem idealizações frouxas. Ambos se completavam em suas loucuras compatíveis.

Era como se um tivesse acesso ao espírito do outro e isso era fantástico. Em um mundo estranho e frequentemente terrível, parecia que ambos vieram do mesmo planeta. Eles conversavam sobre tudo, desde os assuntos mais banais aos sentimentos mais profundos. Dylan sentia falta até dos códigos que ambos utilizavam para se comunicar. Fazendo uso da linguagem dos jogos de videogame que ambos adoravam, os dois usavam a expressão “te owno” em substituição a “te amo”. Era como se existisse um idioma só deles. Muito mais importante que a língua de Hegel. Existia um mundo que pertencia apenas a eles. Estela sabia quando Dylan estava triste ou com raiva por mensagem de celular. Ele sonhava com ela e sentia quando ela passava por momentos difíceis. Os dois se entendiam pelo olhar como se tivessem a capacidade de se comunicar por telepatia. Mesmo quando estavam longe, Dylan sentia a presença de Estela. Por um grande período, os dois moraram em cidades distintas, então a maior parte do contato era virtual. Mas Dylan nunca sentiu que Estela estava longe. Pelo contrário: ele conseguia sentir sua presença em vários momentos do dia. O maior limite que enfrentamos não é geográfico, mas espiritual. Ele sentia que ela estava com ele como uma parede sólida invisível que lhe servia de apoio. E, mesmo depois de sua morte, ele ainda conseguia visualizar sua imagem. Aquele sorriso sempre triste. Que aparecia e desaparecia desde que ele a conhecera há mais de doze anos. Tempo, aliás, de acordo com Estela, era a evidência empírica mais cabal de que o amor existia. Porque o amor, segundo ela, ultrapassava décadas. Então, se você pensa em uma pessoa mesmo depois da distância física e da marcha inevitável dos ponteiros do relógio, está com um grave sintoma dessa doença que é o amor crônico e agudo. Uma forma de conexão difícil de descrever em palavras. Uma espécie de compreensão mútua e carinho sobrenaturais. E vontade de estar juntos. Mágica. 

É óbvio que Dylan se sentia triste pelo desfecho de sua bonita história de amor, porém não deixava tampouco de sentir uma pontada de felicidade por ter experimentado a oportunidade de viver aquilo com plenitude, sem amarras, custe o que custar, com todos os sacrifícios feitos por ambos. Nada parecia um obstáculo intransponível. “Vamos dar um jeito” era mesmo o lema dos dois. O que ele não conseguia entender era como alguém conseguia viver uma vida inteira sem nunca ter sentido isso. Ou pior, como alguém poderia crer que algo como luxúria pode ser melhor que esse sentimento tão raro? Um momento de prazer efêmero traz mais felicidade que anos de companheirismo, compreensão e apoio mútuos? Dylan tinha certeza de que não e as pessoas se iludiam achando que sim. Lembrava-se dos colegas da faculdade que lhe diziam que a vida de solteiro era muito melhor. Coitados, ele pensava. Buscavam suprir o vazio com conexões rasas e passageiras. O vício é um excesso resultante de uma falta. E, mesmo quando alguns zombavam do seu novo estado civil, Dylan respondia, com segurança, que, apesar de divorciado, seu casamento dera certo. Ele nunca se questionou sobre o suposto fracasso do seu casamento. A verdade é que ele não considerava um fracasso na contramão do que todos de seus círculos mais próximos pensavam apesar do divórcio trágico. E quando lhe batia uma ponta de dúvida na cabeça, dizia a si mesmo que teria feito tudo de novo, talvez até mais. E se pudesse voltar os dias, anos, antes da morte de Estela, ele teria apreciado e valorizado ainda mais cada momento, sorriso, troca, abraço. Seu medo era o contrário do que pensavam seus amigos: não tinha medo de se entregar de novo, tinha receio de jamais conseguir encontrar esse sentimento novamente. Talvez a maior parte das pessoas tenha medo de se lançar no amor. Ele não. Tudo que ele queria era se jogar no abismo. Não por acaso, o verbo em inglês é "fall in love".

Depois de Estela, teve algumas relações, mas nenhuma que o fizesse se lançar. Ele percebeu que as pessoas tinham medo de afeto. Era uma pena. Amar e ser correspondido é o único sentimento que pode conferir sentido a um mundo tão absurdo.

Viveria tudo de novo, tinha certeza. Ou quase. Seu único remorso consistia nas últimas palavras que dissera a Estela, por telefone, duas semanas antes de sua morte: "depois eu te ligo com calma".  Passou a semana inteira lembrando-se desse telefonema que deveria ter feito, mas foi absorvido pelo trabalho e suas obrigações diárias. Esqueceu. Duas semanas depois, foi ele que recebeu a ligação - de algum parente de Estela - avisando que ela tinha falecido. Causas desconhecidas. "Entendi", ele respondeu. Mas a verdade era que ele não entendeu nada - e jamais entenderia.

E anos mais tarde, naquele dia após a apresentação no trabalho, ele não tinha mais a quem telefonar. O tempo é uma arma invisível. Destruidora. E o depois não existe. Depois eu termino este texto. E, quem sabe, esta história.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Hermine is in hell

Hermann Hesse foi o melhor presente que alguém me deu. Começou com um livro, O Lobo da Estepe. Mais de uma pessoa havia me dito que eu parecia o personagem principal: Harry Haller. O livro é repleto de metáforas. O narrador deixa claro que não sabe se a história aconteceu ou se os eventos relatados em um caderno foram uma ilusão do protagonista. For mad man only, avisa o autor.

A questão central do livro se refere à dualidade presente no protagonista (e em grande parte de nós): ora lobo, ora homem. A disputa entre o lobo e o homem remete aos embates entre o incômodo com a sociedade burguesa e à necessidade (ou inevitabilidade) de pertencer a ela. Hesse ultrapassa a dualidade ao afirmar que, na verdade, as pessoas são compostas por não duas, mas múltiplas almas. Parte dos conflitos existenciais advém das disputas internas entre tais fragmentos de alma.

O que tenho em comum com o Harry é esse incômodo com a sociedade e a humanidade em geral. Desde criança, não via muito sentido em elementos frequentemente naturalizados pela sociedade capitalista: a ganância, a preocupação excessiva com as aparências, os padrões estéticos, a eterna luta por status e dinheiro. Raramente enxerguei algum sentido na vida em si. Por outro lado, Hermine, outra importante personagem do livro, representa a necessidade de usufruir de pequenos prazeres mundanos. O livro ensina que, apesar das reflexões e dos problemas, ainda há o que se aproveitar no mundo terrestre.

O Lobo da Estepe mudou minha vida porque me ensinou a lidar com os vários fragmentos da minha alma. Também me despertou para outras obras de Hesse, como Sidarta, O Jogo das Contas de Vidro e Demian. Solidão, wanderlust, a transitoriedade da vida e as conexões humanas são temas constantes nas obras do autor. Os personagens de Hesse estão tentando constantemente lidar com o sentimento de distanciamento do mundo ao passo que, por vezes, eles encontram alguém com quem conseguem se conectar intelectualmente ou de forma espiritual. Talvez pelas influências budistas, Hesse trata repetidas vezes da transitoriedade, ou seja, do caráter efêmero das experiências no mundo. 

“We fear death, we shudder at life’s instability, we grieve to see the flowers wilt again and again, and the leaves fall, and in our hearts we know that, we, too, are transitory and will soon disappear” (Nascissus and Goldmund, Hermann Hesse).

Justamente por aprofundar questões que rementem à psicanálise, Hermann Hesse me ajudou a passar por muitos momentos difíceis. Imagino que ele era alguém solitário e que tinha dificuldade de pertencer ao mundo ou de se identificar com a maior parte das pessoas – assim como eu.

De qualquer forma, serei eternamente grata a quem nos apresentou.


terça-feira, 7 de setembro de 2021

Quando Dylan encontrou o eterno

Admirava as águas do lago, calmas, iluminadas pela luz do dia. Há pouco mais de dois anos, estava naquele mesmo local, refletindo sobre o tema que lhe roubava o sono e condenava sua existência: a impermanência. Como qualquer outra pessoa, Dylan não conseguia lidar com a fluidez da modernidade líquida, com os romances passageiros, as relações que não duram, as pessoas que não ficam, a euforia que acaba. Mas talvez aquilo lhe incomodasse ainda mais em comparação a outras pessoas que parecem tão acostumadas, porque lhe dava insônia, crises de ansiedade, uma sensação de desespero e estagnação. Estava naquele mesmo local onde comemorara o nascer de um ano novo anos antes, justamente a época em que ficava mais deprimido porque se lembrava de todos aqueles que haviam partido. Dylan e a eterna busca pelo eterno. No final, sabia que a dor por todas as partidas de sua vida se resumia a uma só, que tinha um nome específico: Estela. Podia fingir que não pensava nela, chateando-se com outros, fingindo que a causa do seu sofrimento era a pressão do chefe no trabalho, os problemas de sua família ou até mesmo a saúde de sua avó. Mas, sabia que por trás, ainda que todo o resto fosse igualmente relevante, estava ela. Serena, calma, porém longe.

Estela foi seu primeiro e grande amor. Ele a viu pela primeira vez ainda jovem em um recital de poesia organizado pela escola. Na ocasião, ela lia um poema de sua própria autoria, aos 15 anos de idade – ela amava escrever desde sempre, dizia que era como respirar. Foi amor à primeira vista, o único que ele teve assim, em todos os seus longos 35 anos, de forma fulminante. Estela foi como o nome indica: estelar, uma estrela candente que passou em sua vida, devastadora como um cometa. Agora ela tinha retornado ao seu lar, brilhava no céu como a memória de um sorriso. Quando ele a viu pela primeira vez, no palco, não foram os olhos encantadores ou a qualidade de sua poesia que o deixaram encantado. Foi justamente o sorriso tímido, mas especialmente triste, que o deixara completamente intrigado. Desde então, fazia tudo para cruzar com ela no recreio, mas ela vivia em seu próprio mundo... nas estrelas. Como ele era um ano mais velho, tinham poucas chances de se encontrar. No entanto, como uma dessas peças que a vida gosta de pregar, em um belo dia depois de seis meses do primeiro encanto, ele estava conversando com um amigo e ela apareceu, do nada, das sombras. Acontece que ela precisava devolver uma fita de videogame para esse amigo de Dylan, o Bob, que Estela conhecia porque moravam no mesmo bairro e seus pais eram amigos há muitos anos.

E, assim como mágica, por uma fita de videogame, ele disse as primeiras palavras a ela. Foi uma piada ou algo semelhante. Ficou caçoando da menina ao dizer que Bob e ela eram namorados quando, na verdade, ele queria ocupar aquele papel desde que a viu pela primeira vez. Desde aquele dia, passaram a se encontrar com mais frequência, trocar palavras, depois poesias, conversar sobre assuntos muito sérios até que chegou o momento, em um dia chuvoso, em que ele se atreveu a dar o beijo que tanto queria. Dylan nunca soube descrever o amor com palavras. Mas sabia, que se isso existisse, era aquilo. Eram as mãos dadas no intervalo, os debates sobre o sentido da vida, os arrepios quando se esbarravam por acaso, o abraço que fazia o tempo parar e a sensação estranha no estômago, a qual ele nunca sabia se era fome, refluxo ou a mais pura manifestação daquele amor nervoso. Estela sabia quando ele estava triste sem que ele precisasse dizer. Decifrava suas emoções pelo olhar e parecia que se comunicava com ele por telepatia. Ela conseguia identificar seu humor até por mensagem de celular. Ele sonhava com ela, principalmente quando sentia que ela estava triste. E ela ficava assim com frequência.

Estela foi diagnosticada com depressão por três ou quatro psiquiatras. Perdera os pais muito jovem, em um acidente de carro, e nunca conseguira se recuperar. Mas, além das circunstâncias tristes de sua vida, tinha dificuldades biológicas em se sentir feliz. Dylan e Estela foram namorados durante uma pequena fração do ensino médio de ambos. Logo depois daquele dia chuvoso de setembro, ela foi embora da cidade e eles continuaram amigos. Chegaram a reatar em alguns momentos, quando estavam mais velhos, e a brigar às vezes. Dylan sempre telefonava em setembro, não importava a distância que existisse, porque foi o período do ano em que os pais dela morreram e era sempre um mês choroso para ela. Em determinado momento da vida adulta, reataram de uma vez e até moraram juntos por alguns meses. Mas aquela sombra escura por trás de Estela, que ofuscava todo seu brilho de estrela, sugava a energia de Dylan como um buraco negro. Progressivamente, o “bom dia, amor” era substituído por “eu não tenho vontade alguma de viver”. E ele ficava se questionando se o amor que sentia por ela não era razão suficiente para construir aquela vontade. Mas nada era. Estela não veio com um manual de instruções. Ninguém com problemas de saúde mental vem. E Dylan não soube lidar. Muitas vezes era um pouco agressivo, sem querer, como para descontar a frustração de que qualquer sacrifício seu não valia nada. Outras vezes, ele chorava escondido no quarto, porque não queria ser um peso adicional para quem acreditava ser o amor de sua vida. Ele dizia que ela tinha se cuidar, fazer exercício, mas ela ouvia todos os conselhos como se fossem críticas. A situação ficou insustentável quando Estela começou a misturar os remédios que deveriam ser sua cura com a outra terapia que ela gostava mais: o álcool. Chegava em casa bêbada, na madrugada, e não se lembrava de nada no dia seguinte. Dylan ficou impaciente, ameaçou ir embora esperando que ela dissesse que o amava e pedisse que ele ficasse, mas, para sua surpresa, ela respondeu que era mais feliz sem ele. Aquilo foi o ponto final. Tudo que ele queria é que ela fosse feliz. E então saiu da casa e recomeçou uma vida nova.

Anos mais tarde, quando se encontraram novamente para tomar um café, ele perguntou se a vida dela estava melhor sem ele. “Melhor, não sei”, ela respondeu, “mas boa não está”. Aquela foi a última frase que disse, pois viria a falecer meses depois, em setembro, por alguma causa desconhecida, que nem o Instituto Médico iria resolver, mas que a maioria dos amigos atribuía a excesso de medicação. Dormiu e acordou no céu, Dylan pensava. Tudo que sobrara dela fora um pequeno caderno com textos e poesias. De vez em quando, Dylan abria e lia. Todavia, as palavras lhe causavam muita dor porque eram exclusivamente a expressão do sofrimento dela. Naquele dia, olhando novamente para as águas do lado, com o caderno embaixo do braço esquerdo, ele não se sentia mais tão triste. Desde o ensino médio, passara os doze anos seguintes da sua vida com Estela. Ainda que os dois estivessem fisicamente separados pelo maior período de suas vidas, nunca deixaram de trocar palavras de conforto por mensagens, e-mails, telefonemas e até partidas de jogos online. E ainda que ele fosse insuficiente – porque, no final, nada era suficiente – para fazer com que ela tivesse algum desejo pela vida, ele sabia que tinham compartilhado momentos verdadeiramente felizes. E ele sabia, dentro de si, que ela fora feliz – ao menos, por alguns segundos, alguma fração de sua vida. O único crime que ele não podia perdoar era ela ter ido antes dele e sem se despedir.

E, anos depois de sua morte, ali parado em frente às águas escuras e hipnotizantes do lago, ele não podia deixar de pensar que sua busca tinha terminado antes mesmo de começar. Na verdade, ele já tinha encontrado o eterno no ensino médio. Ele teve a sorte de encontrar o amor. E, por mais que a reciprocidade lhe fosse uma questão perturbadora, ele não podia deixar de ficar feliz por ter sentido. Sabia que nunca deixaria de sentir. Como uma música que se torna uma viagem no tempo, uma sensação na pele que some, mas nunca desaparece completamente. Sabia que teria outras relações amorosas – mais saudáveis, esperava – que pensaria cada vez menos nela, mas nunca a deixaria por completo. Ela fazia parte dele, ontem, hoje, amanhã e sempre. E então Dylan compreendeu que antes não sabia o que significava “eterno”. Achava que eternidade significava algo que nunca mudaria. Mas, não. Naquela hora, compreendeu que o eterno é o que permanece apesar das mudanças. Mas ele também muda. 

domingo, 5 de setembro de 2021

La petite note qu’il n’a jamais reçue

Le 28 Octobre 2017





L'exil commence à devenir lourd, très lourd. J'ai besoin de tes conseils. Encore. Plus que jamais. Tu as été la seule personne qui pouvais comprendre ce que je pensais. Tu comprenais tous sans qu'il soit nécessaire que je te le dise. Sauf ce je que sentais pour toi, peut-être.