sábado, 11 de junho de 2011

O estranho do Seabus

Era um dia como os outros. O céu nublado, as árvores que pareciam vindas de um filme de suspense ou terror, a brisa fria, cortante. Era um dia como os outros, mas ela se atrasara. Demorara mais de uma hora na livraria. Ah, os livros eram sua paixão. Desde pequena, ela os tinha como melhores amigos. Histórias de aventura, romance e jornadas. Mergulhava em cada descoberta, cenários novos, apaixonara-se por muitos personagens. Vivera muitas histórias. Tivera muitas vidas. E aqueles sete andares da livraria do centro da cidade. Não havia como não gostar. Ela sentia que pertencia totalmente aquele ambiente. Parecia um lar. As estantes coloridas, repletas de contos e descontos. De decepções, felicidades, sorrisos e lágrimas... assim como a própria vida. Ela se atrasou e ´seguia à estação emburrada. Escurecia e ela queria voltar o mais rápido possível, passar algumas horas antes de dormir com o casal de gêmeos, conversar com os hospedeiros e finalmente descansar a mente cheia e o coração vazio na sua cama gelada no porão. Seguiu para Waterfront, assim, distraída e entrou no seabus. Um ônibus marítimo que atravessava o pacífico para o distrito de North. Todos os dias pecorria esse trajeto de quarenta e cinco minutos, de árvores tristonhas e pássaros macabros, de águas escuras e ruas desertas. Mas se sentia em casa, mesmo longe de todos. Foi nesse dia, que ela a viu pela primeira vez. Sentado no banco do seabus, comendo um sandwiche, a mochila do lado com uma plaqueta escrito "University of British Columbia". Sentou ao seu lado como quem não quer nada. E ela não queria mesmo. Ele era alto, pálido, com os olhos claros, azuis ou verdes, não importava. O cabelo escuro, curto, tangenciando sua testa lisa. Ele parecia uma estátua de mármore, esculpida em perfeições simétricas. Mas simultaneamente à sua extraordinária beleza, havia uma solidão imensa. Uma solidão inexplicável. Talvez ele gostasse de viver assim, ela pensou. E foi a tristeza que a atraiu, que a puxou, que a fez querer abraçá-lo e dizer "eu te amo". O seabus parou com um balanço. Ele levantou e moveu-se desaparecendo pela a multidão, sem um sorriso, um olhar, algo que revelasse mais da sua personalidade. A mochila preta nas costas. University of British Columbia, precisava frequentar aquele lugar. Passaram-se dias e aquele rosto não saía de sua mente. Visitou a universidade na esperança de um encontro casual. Mas nada. Nada daquele ser solitário, fechado, reservado, cheio de insegurança e simultaneamente confiante de si mesmo. Perdera as esperanças até que um dia, voltando no seabus, encontrou-o novamente. Pensou em dizer-lhe "ei, eu sei que você existe", mas achou cliché demais. Saiu despreocupada do veículo, não ia pressionar o Destino. E acabou que ele veio até ela. Ela estava com seus fones de ouvido quando sentiu um dedo em seu ombro. Ei - ele disse com uma voz doce - eu não conheço você de algum lugar?". Ela virou sorrindo, uma felicidade genuína. Sim, ela o conhecia de seus sonhos, anseios, imaginação e idealização. Ela respondeu "Impossível, eu venho de longe". Ele estudava Filosofia, ela lia Rousseau. Ele era introspectivo, ela gostava de escrever.  Ele lia muito, ela vivia em livrarias. Os dois descobriram em cinco minutos o quanto eram estranhos e conhecidos. E ela quis dizer aquela frase de um filme famoso, mas se conteve. E ele quis abraçá-la, mas não pôde. Porque o ônibus 16 chegou naquele momento e ela nunca mais o viu.

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