sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Uma cidade sitiada

Sabia que isso ia acabar acontecendo. Depois de rondar pesadelos como fantasmas que não querem desaparecer. Vivendo à margem das experiências dos outros. Apenas observando. Teclas de piano, somente a melodia. Uma cidade coberta por muralhas. Tão altas que ninguém consegue ver o que acontece dentro. Os muros são altos e bonitos, refletem uma cultura antiga, com traços neoclássicos, bem ornados e enfeitados, com vislumbres elitistas. Tudo parece pacífico. Quem passa pelo lado de fora, afirma com toda certeza que aquela é uma cidade rica e desprovida de infortúnios. Entretanto, além dos muros e da sacada, explode uma guerra. Dois partidos, duas ideologias completamente distintas. Há fome, guerra e morte. Cavalos do apocalipse. Ninguém sabe em quê acreditar e quem sabe tem que se esconder. Antes, a cidade era cheia de jardins e borboletas, mas agora transformara-se em um mar de escombros. Nas ruínas de uma antiga igreja, uma menina se esconde. Abraçada em um livro, ela se camufla por trás de sua suposta fé, suas crenças e suas palavras. Não há arma mais letal do que as palavras. Uma cidade pode ser reconstruída, mas uma palavra uma vez perdida nunca mais volta e às vezes o perdão não é concedido, ou cabível. Ela chora e pede que, por favor, a guerra acabe. Mas o barulho de tiros não acaba nunca.  Tudo que ela quer é sair e encontrar sua família e seus amigos. Como quando todos andavam de mãos dadas e brincavam perto da ponte, onde podia-se ver o riacho com seus peixinhos coloridos. Aquela época era outra. Desde que o ditador fora expulso por um golpe de Estado, a cidade transformara-se em um caos. Não havia para onde correr e os portões estavam fechados há muitos anos. Tudo o que restara era esperar. Por alguém que surgisse em um cavalo alado para guiar as mentes famintas. Fome de liberdade. Ela largara sua família nas ruínas da memória e arrependera-se. Achava que seria mais fácil esconder a doença, condenar todo aquele Amor ao esquecimento. Ainda assim, algo pulsava em suas veias, como um tic tac de relógio, ao lembrar "eles ainda estão lá, sofrendo". E aquilo doía em seus tímpanos mais do que o estouro de uma bomba. Um dia, ela precisaria voltar e encarar de frente os seus mortos. Porque todos ali, carregavam pelo menos milhões, milhões de cadáveres em suas costas, amarrados pela corda da culpa ou da omissão, renegados pelo arrependimento e miseravelmente condenados através do silêncio daqueles que realmente podiam ter feito algo e mudado os acontecimentos.


Quando foi que eu construí todos esses muros entre mim e as outras pessoas? Quando foi que eu virei essa cidade cheia de muros? Quando foi que eu passei a me esconder por trás das festas e da superficialidade? Quando foi que eu me tranquei nessa cidade e joguei a chave dos portões onde ninguém mais pudesse achar? Quando foi que eu comecei a distribuir sorrisos mentirosos, que mais parecem muralhas enfeitadas que escondem o verdadeiro interior?
Nem eu mesma sei as respostas.

5 comentários:

  1. ai nayara
    queria estar aí agora pra te dar um abraço

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  2. Que isso, heim? babei no texto.
    acho que transmite metaforicamente o que eu passo agora.

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  3. Caramba, ficou bom demais, até arrupia! Dá pra sentir o medo da menina, o caos e desordem, a incerteza que corrói toda a estabilidade frágil que construimos. Gostei muitão mesmo!

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