sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Apenas mais uma sonata.

 Para se ler ao som de Moonlight (Beethoven)

Uma escada em espiral em que os degraus são teclas de piano. Pulando os bemóis, ela acabou de deixar um sustenido. Ela se esforça para chega até o final, mas o que é o final? Se tudo são voltas em um círculo cheio de ciclos intermináveis. Os dias parecem longos e a noite a devora, como uma fera oculta e faminta esperando que sua presa caia na armadilha. Na armadilha de viver, pois a existência é cheia de lacunas. Imensuráveis falhas do ser que corrompe até o mais ético indíviduo. Não saber o destino final. Uma caixinha de música quebrada, a infância perdida. Pobre bailarina que se perdeu nas labaredas do esquecimento, quando o seu único motivo era a obrigação de viver.  A estelas caem do céu de cores da aurora boreal. E tudo parece manchado de sangue em uma única sintonia. Ela sobe devagar, talvez um dia chegue enfim ao seu destino. Um passo de cada vez. Enquanto sobe vai perdendo artigos de toda uma vida. Relógios, colares, pulserias, tudo que remete a um passado já distante e obscurecido por uma nostalgia doente e um medo frenético de rever aquilo que não mais existe. Aqueles que deixara não eram mais do que imagens em fotografias há muito negligenciada em uma caixa de sapatos. Ela fez o que tinha que ser feito, apenas cumpriu com seu dever. Desde o começo, ela sabia que teria que abandonás-lo, quando muitos já haviam a deixado sem desculpas ou beijos de despedidas, e nem sequer lágrimas de comoção ou miserecórdia pelos que não possuem o dom de ser amados. As pernas dela estão cansadas e ela sente dor nas costass. "Vai passar", ela diz para si mesma. "Falta pouco". Porque a sensibilidade material é algo efêmero que se dissolve no ar como pó soprado devegar e sultimente, desfazendo-se como mentiras ao vento. Ela olha para cima,  realmente valeu tudo aquilo? O que a espera é afinal, as respostas de toda uma centena de anos vividos? Esperando-se por diagnosticos, respostas e principalmente salvação. Salvação, ela gostava de revistas em quadrinhos. Mas era tudo tão diferente e a subida mais árdua do que aparentava. No início, o caminho parecia longe e largo, mas à medida em que os ponteiros se deslocaram, a escada foi se afinando e tudo passou tão rápido que em um piscar de olhos ela havia conhecido o Fim. E no topo, o começo e o fim do abismo. Ela inclina a cabeça para o nada: o precipício. Era apenas mais uma sonata, entre tantas outras que existem.

O precipício é o fim da vida, e o começo da jornada.



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