domingo, 6 de fevereiro de 2022

Hermine is in hell

Hermann Hesse foi o melhor presente que alguém me deu. Começou com um livro, O Lobo da Estepe. Mais de uma pessoa havia me dito que eu parecia o personagem principal: Harry Haller. O livro é repleto de metáforas. O narrador deixa claro que não sabe se a história aconteceu ou se os eventos relatados em um caderno foram uma ilusão do protagonista. For mad man only, avisa o autor.

A questão central do livro se refere à dualidade presente no protagonista (e em grande parte de nós): ora lobo, ora homem. A disputa entre o lobo e o homem remete aos embates entre o incômodo com a sociedade burguesa e à necessidade (ou inevitabilidade) de pertencer a ela. Hesse ultrapassa a dualidade ao afirmar que, na verdade, as pessoas são compostas por não duas, mas múltiplas almas. Parte dos conflitos existenciais advém das disputas internas entre tais fragmentos de alma.

O que tenho em comum com o Harry é esse incômodo com a sociedade e a humanidade em geral. Desde criança, não via muito sentido em elementos frequentemente naturalizados pela sociedade capitalista: a ganância, a preocupação excessiva com as aparências, os padrões estéticos, a eterna luta por status e dinheiro. Raramente enxerguei algum sentido na vida em si. Por outro lado, Hermine, outra importante personagem do livro, representa a necessidade de usufruir de pequenos prazeres mundanos. O livro ensina que, apesar das reflexões e dos problemas, ainda há o que se aproveitar no mundo terrestre.

O Lobo da Estepe mudou minha vida porque me ensinou a lidar com os vários fragmentos da minha alma. Também me despertou para outras obras de Hesse, como Sidarta, O Jogo das Contas de Vidro e Demian. Solidão, wanderlust, a transitoriedade da vida e as conexões humanas são temas constantes nas obras do autor. Os personagens de Hesse estão tentando constantemente lidar com o sentimento de distanciamento do mundo ao passo que, por vezes, eles encontram alguém com quem conseguem se conectar intelectualmente ou de forma espiritual. Talvez pelas influências budistas, Hesse trata repetidas vezes da transitoriedade, ou seja, do caráter efêmero das experiências no mundo. 

“We fear death, we shudder at life’s instability, we grieve to see the flowers wilt again and again, and the leaves fall, and in our hearts we know that, we, too, are transitory and will soon disappear” (Nascissus and Goldmund, Hermann Hesse).

Justamente por aprofundar questões que rementem à psicanálise, Hermann Hesse me ajudou a passar por muitos momentos difíceis. Imagino que ele era alguém solitário e que tinha dificuldade de pertencer ao mundo ou de se identificar com a maior parte das pessoas – assim como eu.

De qualquer forma, serei eternamente grata a quem nos apresentou.