Estela foi seu primeiro e grande amor. Ele a viu pela primeira vez ainda jovem em um recital de poesia organizado pela escola. Na ocasião, ela lia um poema de sua própria autoria, aos 15 anos de idade – ela amava escrever desde sempre, dizia que era como respirar. Foi amor à primeira vista, o único que ele teve assim, em todos os seus longos 35 anos, de forma fulminante. Estela foi como o nome indica: estelar, uma estrela candente que passou em sua vida, devastadora como um cometa. Agora ela tinha retornado ao seu lar, brilhava no céu como a memória de um sorriso. Quando ele a viu pela primeira vez, no palco, não foram os olhos encantadores ou a qualidade de sua poesia que o deixaram encantado. Foi justamente o sorriso tímido, mas especialmente triste, que o deixara completamente intrigado. Desde então, fazia tudo para cruzar com ela no recreio, mas ela vivia em seu próprio mundo... nas estrelas. Como ele era um ano mais velho, tinham poucas chances de se encontrar. No entanto, como uma dessas peças que a vida gosta de pregar, em um belo dia depois de seis meses do primeiro encanto, ele estava conversando com um amigo e ela apareceu, do nada, das sombras. Acontece que ela precisava devolver uma fita de videogame para esse amigo de Dylan, o Bob, que Estela conhecia porque moravam no mesmo bairro e seus pais eram amigos há muitos anos.
E, assim como mágica, por uma fita de videogame, ele disse as primeiras palavras a ela. Foi uma piada ou algo semelhante. Ficou caçoando da menina ao dizer que Bob e ela eram namorados quando, na verdade, ele queria ocupar aquele papel desde que a viu pela primeira vez. Desde aquele dia, passaram a se encontrar com mais frequência, trocar palavras, depois poesias, conversar sobre assuntos muito sérios até que chegou o momento, em um dia chuvoso, em que ele se atreveu a dar o beijo que tanto queria. Dylan nunca soube descrever o amor com palavras. Mas sabia, que se isso existisse, era aquilo. Eram as mãos dadas no intervalo, os debates sobre o sentido da vida, os arrepios quando se esbarravam por acaso, o abraço que fazia o tempo parar e a sensação estranha no estômago, a qual ele nunca sabia se era fome, refluxo ou a mais pura manifestação daquele amor nervoso. Estela sabia quando ele estava triste sem que ele precisasse dizer. Decifrava suas emoções pelo olhar e parecia que se comunicava com ele por telepatia. Ela conseguia identificar seu humor até por mensagem de celular. Ele sonhava com ela, principalmente quando sentia que ela estava triste. E ela ficava assim com frequência.
Estela foi diagnosticada com depressão por três ou quatro psiquiatras. Perdera os pais muito jovem, em um acidente de carro, e nunca conseguira se recuperar. Mas, além das circunstâncias tristes de sua vida, tinha dificuldades biológicas em se sentir feliz. Dylan e Estela foram namorados durante uma pequena fração do ensino médio de ambos. Logo depois daquele dia chuvoso de setembro, ela foi embora da cidade e eles continuaram amigos. Chegaram a reatar em alguns momentos, quando estavam mais velhos, e a brigar às vezes. Dylan sempre telefonava em setembro, não importava a distância que existisse, porque foi o período do ano em que os pais dela morreram e era sempre um mês choroso para ela. Em determinado momento da vida adulta, reataram de uma vez e até moraram juntos por alguns meses. Mas aquela sombra escura por trás de Estela, que ofuscava todo seu brilho de estrela, sugava a energia de Dylan como um buraco negro. Progressivamente, o “bom dia, amor” era substituído por “eu não tenho vontade alguma de viver”. E ele ficava se questionando se o amor que sentia por ela não era razão suficiente para construir aquela vontade. Mas nada era. Estela não veio com um manual de instruções. Ninguém com problemas de saúde mental vem. E Dylan não soube lidar. Muitas vezes era um pouco agressivo, sem querer, como para descontar a frustração de que qualquer sacrifício seu não valia nada. Outras vezes, ele chorava escondido no quarto, porque não queria ser um peso adicional para quem acreditava ser o amor de sua vida. Ele dizia que ela tinha se cuidar, fazer exercício, mas ela ouvia todos os conselhos como se fossem críticas. A situação ficou insustentável quando Estela começou a misturar os remédios que deveriam ser sua cura com a outra terapia que ela gostava mais: o álcool. Chegava em casa bêbada, na madrugada, e não se lembrava de nada no dia seguinte. Dylan ficou impaciente, ameaçou ir embora esperando que ela dissesse que o amava e pedisse que ele ficasse, mas, para sua surpresa, ela respondeu que era mais feliz sem ele. Aquilo foi o ponto final. Tudo que ele queria é que ela fosse feliz. E então saiu da casa e recomeçou uma vida nova.
Anos mais tarde, quando se encontraram novamente para tomar um café, ele perguntou se a vida dela estava melhor sem ele. “Melhor, não sei”, ela respondeu, “mas boa não está”. Aquela foi a última frase que disse, pois viria a falecer meses depois, em setembro, por alguma causa desconhecida, que nem o Instituto Médico iria resolver, mas que a maioria dos amigos atribuía a excesso de medicação. Dormiu e acordou no céu, Dylan pensava. Tudo que sobrara dela fora um pequeno caderno com textos e poesias. De vez em quando, Dylan abria e lia. Todavia, as palavras lhe causavam muita dor porque eram exclusivamente a expressão do sofrimento dela. Naquele dia, olhando novamente para as águas do lado, com o caderno embaixo do braço esquerdo, ele não se sentia mais tão triste. Desde o ensino médio, passara os doze anos seguintes da sua vida com Estela. Ainda que os dois estivessem fisicamente separados pelo maior período de suas vidas, nunca deixaram de trocar palavras de conforto por mensagens, e-mails, telefonemas e até partidas de jogos online. E ainda que ele fosse insuficiente – porque, no final, nada era suficiente – para fazer com que ela tivesse algum desejo pela vida, ele sabia que tinham compartilhado momentos verdadeiramente felizes. E ele sabia, dentro de si, que ela fora feliz – ao menos, por alguns segundos, alguma fração de sua vida. O único crime que ele não podia perdoar era ela ter ido antes dele e sem se despedir.
E, anos depois de sua morte, ali parado em frente às águas escuras e hipnotizantes do lago, ele não podia deixar de pensar que sua busca tinha terminado antes mesmo de começar. Na verdade, ele já tinha encontrado o eterno no ensino médio. Ele teve a sorte de encontrar o amor. E, por mais que a reciprocidade lhe fosse uma questão perturbadora, ele não podia deixar de ficar feliz por ter sentido. Sabia que nunca deixaria de sentir. Como uma música que se torna uma viagem no tempo, uma sensação na pele que some, mas nunca desaparece completamente. Sabia que teria outras relações amorosas – mais saudáveis, esperava – que pensaria cada vez menos nela, mas nunca a deixaria por completo. Ela fazia parte dele, ontem, hoje, amanhã e sempre. E então Dylan compreendeu que antes não sabia o que significava “eterno”. Achava que eternidade significava algo que nunca mudaria. Mas, não. Naquela hora, compreendeu que o eterno é o que permanece apesar das mudanças. Mas ele também muda.