quinta-feira, 13 de maio de 2010

Carta a um amigo distante [1]

Querido amigo,

pensei tantas vezes em escrever, que acho que embaralhei inúmeras frases de rascunho, mas estavas tão feliz sem mim que achei que minha maluquisse era puro egoísmo. Já faz alguns anos que tu deixastes essa cidade nublada por ventos mais fortes e em todo esse período eu não deixei um segundo sequer de pensar no que estarías fazendo. A verdade é que essa falta me corrompeu. O costume, o hábito de encontrar teu sorriso todos os dias, muito embora naquela época ele fosse tão triste. Naquela época... às vezes me parece que passou milhares de anos. E no entanto, foram apenas quatro que passaram como um relâmpago. E ainda assim, como é relativo esse conveito de Tempo, em um segundo estavas lá em frente a rampa da oitava série esperando, e na semana seguinte desaparecera como uma brisa fria em um verão muito quente. Tanto mudou durante esses quatro anos que não sei como começar uma narrativa espetacular. Alguém disse uma vez, e meu professor de Teoria Política Clássica jura que foi um filósofo grego, que um mesmo homem não se banha no mesmo rio mais de uma vez. Eu acho mesmo que um mesmo homem não atravessa um mesmo rio mais de uma vez. E eu, que já atravessei o rio tantas vezes, tenho mudado tanto que às vezes tenho medo de me perder de vez, de me transformar em alguém que eu não conheço mais. De fato, não escrevo tanto pela saudade, seria mentir dizer que morro por ti, que penso a cada segunda na tua existência. Acho que escrevo mais por medo. De que você tenha se transformado em algo que eu não possa mais olhar. Algo tão diferente do passado a que eu ainda me iludo, e invoco nos momentos mais difíceis e tristes, e principalmente nos decepcionantes. Porque eu ainda posso dizer "ah ele não era assim", "ele era diferente". Mas só de usar o verbo "era" eu me assusto. Tenho medo de perder todas aquelas lembranças. Tenho medo de perder tua imagem, que é a única coisa que me conforta nesses dias vazios. O fato de que o que vivemos tenha realmente sido de verdade, algo que não pode ser destruído por um tornado ou furacão, algo que sempre está lá.  O ser humano precisa mesmo disso... de memória palpáveis que não se destruam com o Tempo, o vilão cruel do Tempo, que às vezes é um amigo... há pessoas que merecem ser esquecidas... mas tu não és uma delas. E saber disso me consolou quando eu mais precisei. Saber que não mudastes. Mas talvez tenhas mudado... e isso me apavora. Ainda tenho o ursinho, e todas as músicas daquela época. Quando eu escuto, então, percebo que não foram os quilômetros que nos destruiu, porque deveras o que eu sentia e sinto agora é muito maior que algumas estradas. Uma vez falastes que ia me amar para sempre e eu reclamei, no fundo querendo acreditar, que era uma calúnia. Então, dissestes algo que ficou na minha mente e que só consegui entender nos dias de hoje: que o Amor se transformaria, que não seria o mesmo Amor, mas que seria Amor. E agora eu entendo que, eu não te amo mais como naquela época, mas sim como uma música. Sim, pois nós podemos escutar a mesma música mil vezes, e cada uma vai ser diferente. Até que um dia nós enjoamos, mas isso não significa que deixamos de gostar da música. E ela nos faz retornar a algo maior, uma série de imagens. E sempre que quisermos escutá-las, basta abrir o I-tunes. No entanto, eu não posso abraçar-te toda vez que eu quero, nem ao menos falar, nem conversar, nem ver teu sorriso triste, se é que hoje em dia ele ainda é triste, embora eu tente refutar comigo mesma, não fui eu que transformei essa tristeza em felicidade. Espero sinceramente um dia poder encontrar-te novamente. Sabe o que mudou, o que não mudou, porque eu sei, tenho certeza, que algum resto ou migalha daquela pessoa que eu conheci restou... e quem sabe talvez, eu não goste dessa nova pessoa que atravessou o rio? Atravesse-o de novo e venha me ver... porque eu não posso mais sentir falta de alguém que não existe ou que eu não conheço.

Com Amor,
De alguém que não te esqueceu durante esses quatros anos longe.

5 comentários:

  1. Belo texto, espero que chegue ao destinatário.

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  2. O mais próximo de um amor confortante, doloroso, mas confortante e também inesquecivel e esperançoso.

    Por uma dessas o destinatário volta ao seu local de origem...

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  3. que linda definição de amor.
    e a parte do : "eu não te amo mais como naquela época, mas sim como uma música" ,mandou muito bem!
    não sabia que vc ainda sentia isso tudo por ele, realmente te marcou,neh nay?!

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  4. provavelmente não vai chegar, pelo menos não por aqui, mas sempre posso mandar um e-mail...
    sim, já que eu só tive duas experiências com o Amor, uma delas extremamente decepcionante, é previsível que eu me apegue a que foi bonita. E ainda tem gente que diz que é impossível definir o Amor, Pauléti... para mim, difícil mesmo é escolher uma definição entre tantas :D

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