Na vida, não há garantias. A única certeza de que temos durante a jornada é que o final é a morte. Mas embora tenhamos esse mínimo de consciência, insistimos, lutamos, tentamos sobreviver. E depois que os anos passam, nos damos conta do quanto erramos para chegarmos lá. Se os acertos são importantes, os erros são mais ainda. Como saber que aquela escolha não era a certa sem ter errado? Como previnir consequências maiores sem antes ter provado das pequenas? É o erro que move o ser humano, a prova empírica de que aquilo não vai funcionar, a suspeita do futuro baseado na experiência passado, o medo, o nojo, derivam também disso, além do pré-conceito de que algo é degustante. Existem pessoas que não conseguem viver com os erros. Das outras, delas mesmas. Existem pessoas que vivem remoendo o passado, buscando formas de voltar atrás, consertar, mudar, sempre pensando no "e se"... E se eu tivesse dado a oportunidade que ele merecia? E se eu não tivesse viajado? E se eu escolhesse outra coisa? E nesse pretério mais-que-perfeito imperfeito, as pessoas se perdem calculando quais escolhas deveriam ter sido feitas. Uma vez, eu bati o carro em uma árvore. Na verdade eu passei raspando, de propósito, achando que não ia amassar nada, saindo de um estacionamento que parecia um buraco. Mas amassou. E ficou muito feio. Muitas vezes eu me perguntei como pude ser tão idiota. Fazer algo tão estúpido e desejei voltar ao passado. Depois pensei que uma hora ou outra, aquilo era um evento inevitável, eu ia fazer de qualquer jeito, e menos mal que fosse um evento menor, o que faria com que eu aprendesse e evitasse maiores tragédias sendo mais cuidadosa. E ainda depois, quando me acostumei com os arranhões e o amassado no meu carro, percebi que na realidade ele ficava bem mais charmoso assim. Quer dizer aquilo fazia agora parte do carro e principalmente parte de mim: dirigir mal é uma característica minha. E maior dificuldade das pessoas em aceitarem seus erros é na verdade aceitar o que elas são: aceitar que são egoístas, péssimas amigas, distraídas, desajeitadas ou que se vestem mal ou possuem um estilo diferente. Ninguém é igual e existem muitos mais defeitos do que qualidades. A diferença está no grau com que aceitamos esses defeitos. É quando o vicio se torna um virtude. Quando se vê beleza na imperfeição e o feio se torna belo. E é só nessas condições que o verdadeiro amor floresce. Aceitar como são. Uma vez, minha mãe falou que não existe ninguém perfeito para o outro. Oras, mãezinha, ser perfeito nesse contexto não é ser desprovido de defeitos, mas pressupõe um amor tão enorme que faz com que esses defeitos virem qualidades: a franja meio emo dele, o jeito desajeitado de andar. A forma com que ela derruba tudo, suas roupas mal passadas. O amor, le vraiment amour, the truly love, abraça essas características e vê beleza onde os outros não vêem. E é aí que se reconhece o Amor. Mais difícil ainda do que amar outra pessoa, é amar nós mesmos: aceitar que não temos o corpo de uma Bárbie ou a inteligência do Einstein. Que nossa meta de ler 50 livros não foi realizada, que nos demos mal naquela prova, que passamos vexame naquela festa, que na escola éramos taxados de nerd. Essas características vão estar sempre presentes, como arranhões de um carro, vão estar ali para lembrar-nos de ler mais e aproveitar mais as horas livres, estudar mais com antecedência, não bebermos tanto, não julgarmos as pessoas. A diferença é que às vezes o seguro cobre os arranhões e seu carro volta como novo. Mas a sua memória, ah meu amigo, ela ainda vai estar lá.
A não ser que você tenha memória de peixe ou contraia Alzheimer.
Porque não se pode voltar atrás e deixar de derramar o leite, mas sempre podemos limpá-lo do chão e recolher mais, mesmo que isso demande mais esforço.