sexta-feira, 28 de setembro de 2012

E se...

Ela percorria a estante de livros como quem faz uma jornada. Ação, Aventura, Romance, Poesia. A cada rótulo, uma dezena de títulos que ela gostaria de ler. Mas a vida não era longa o suficiente. Ia passando por capas ilustradas, vermelhas, azuis, verdes, violetas. Até que seu olhar imobilizou-se em uma coletânea. Na fresta que havia entre um livro e outro, seus olhos encontraram um semblante semelhante. Mas não podia ser. Ela pensou. Havia anos que não o via, e provavelmente essas centenas de dias deviam ter transformado seu rosto da juventude em algo que não fosse tão discernível. Pelo menos não daquela distância. Aquela era sua livraria favorita, porém ainda, sim, ia ser muita coincidência. Naquele momento, ela esqueceu de todos os livros que queria ler. Afinal, descobrira que a única história que lhe interessava era ela a própria autora, embora não pudesse mudar os fatos. Fato. Pensou o que teria acontecido se tivesse dado uma resposta diferente. Fato. Fato foi o que ele respondera. Fato foi o que acontecera naquela noite de Outubro. O céu devia estar meio nublado. Ele parara o carro do lado da porta da sua casa. Eles foram amigos durante quase todos os anos de faculdade. No entanto, apenas naquele momento em que um feixe de luz razoavelmente largo para iluminar um pedaço do rosto dele, ela percebeu que não podia mais fingir que eram amigos. Ele estava com casamento marcado, e ela já havia comprado suas passagens para França, onde iria fazer uma Pós-Graduação. E, entretanto, depois de muitos anos, ela mal conseguia dormir pensando E se? E se ele não fosse casar? E se ela ficasse no país? Ela sabia que não estava fazendo a pergunta correta. O casamento, a viagem, a distância... nenhuma desses três fatores importavam realmente. A única resposta que era  relevante era a constatação de que o fato era de fato mutável "Você está casando, e eu devo viajar em duas semanas", ela dissera. Fato, ele respondera. Ela devia ter dito que podia desistir de viajar, que ficaria no país, que estaria com ele em todos os momentos, que sentia muito, que sentia algo por ele, que sentia ao menos algo. Todavia, ela não se sentiu no direito de mudar os fatos. E se ela tivesse dado a resposta correta? Ou feito a pergunta exata? Mas o que ela podia fazer se nem sempre os fatos são mesmo concretos? E mesmo assim tudo o que queria dizer e não disse foi que a luz estava perfeita naquela momento. E se ela tivesse dito que o amava? Será que estaria mentindo? Ela não poderia prever que sentiria tanto a sua falta. E que lembraria daquele momento pelos próximos cinco anos como o momento em que ela deveria ter dito alguma coisa. Qualquer coisa, mesmo que começasse com E se der tudo errado? Ela queria ter uma resposta dele, mas esquecera-se de fazer a pergunta. E naqueles curtos minutos de reflexão na livraria o rosto conhecido já desaparecera pela rua. E se eu tivesse ido falar com ele? Talvez tivesse sido melhor, ou foi o destino haviam sido perguntas frequentes. Então, por que depois de cinco anos ela ainda se atormentava com a pergunta que não tinha feito? Pois teria bastado uma pergunta e uma resposta para que os fatos naquele momento tivessem mudado. E se não tivesse bastado?

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Pedaços

A vida passa sem piedade. Passa rápido que antes de conseguir piscar os olhos, as crianças já foram embora, os adultos já vieram, a bebida terminou, as luzes da festa se apagaram. Há quem compare a vida com uma estação de trem: um local de espera, onde transitam diariamente uma quantidade impressionante de pessoas. A estação existe devido aos seus sujeitos: os transeuntes que precisam se mover de um local a outro, às vezes com pressa, às vezes sem ela. 
Alguns trocam palavras, outras números e endereços que serão jogados e esquecidos no bolso, na gaveta do trabalho ou na lixeira mais próxima. Alguns trocam olhares, outros certezas e tem uns ainda que vão para não voltar. Alguns carregam dúvidas, outros apenas um vazio que pesa em suas consciências. Alguns são apenas solitários, outros acreditam nas amizades que nunca tiveram de fato. Alguns conhecem seu destino, outros vão se aventurar, alguns perderam o trem escolhido.
Mas a característica mais marcante de uma estação de trem é que ela passageira. Ela só irá fazer parte da vida daqueles que a atravessam por apenas alguns momentos, minutos ou horas, sempre de espera. E são poucos os que gostam de esperar.
E a cada chegada e partida, um abraço, um olhar triste, um aceno de mão. Como se a cada momento as partes se transformassem em partes menores. E as partes menores se movem de lugar, mudam-se de um lado a outro, como milhões de fluxos, de passagens, palavras e novidades que vão se multiplicando até  que se perde o controle e não se sabe mais de quem era aquele choro, ou aquele abraço, ou aquela música favorita. Partes que são perdidas, encontradas e reencontradas por aqueles que esperam na estação. 
E a estação se torna uma mistura de cores, sabores, rostos conhecidos, estranhos, familiares que vão desbotando em uma só canção. Uma canção triste, de adeus. E as partes que se foram jamais serão recuperadas. Pois dentro da estação, há muitos que esperam somente pelo último trem.